Deixados para o fim
Depois do 25 de abril foram vários os bairros clandestinos construídos na Amadora. Em 1995, a Câmara Municipal da Amadora contabilizou 26 mil pessoas a viver em construções degradadas na cidade.
Ao longo da Estrada Militar da Damaia eram várias as barracas que se amontoavam. A desorganização para quem via de fora contrastava com a organização labiríntica dos bairros para quem lá vivia. Bairro das Fontainhas, Bairro Azul, Bairro 6 de Maio e Bairro Estrela de África. Todos foram demolidos. Para último ficou o Bairro 6 de Maio.
O que é hoje um descampado, foi onde muitos cabo-verdianos construíram com as próprias mãos as casas onde viveram durante anos. Uns saíram do bairro por vontade própria, outros foram realojados pela autarquia e alguns por não se terem recenseado ficaram esquecidos.
Por Adriana Vitorino, Allanah Esteves, João Araújo, Leonor Pitorro
"Aqui foi mais complicado"
Foi em 2021 que a Câmara Municipal da Amadora demoliu as últimas duas barracas que restavam no Bairro 6 de Maio. 26 anos separam a assinatura do Programa Especial de Realojamento (PER) na cidade da Amadora e o fim das demolições, num processo que ficou marcado por avanços e recuos. O terreno do bairro já não tem barracas, mas o que já foi casa para uns é, hoje, um depósito de lixo e entulho a céu aberto.
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O Bairro 6 de Maio começou a ser construído de forma clandestina no final dos anos 70 pela população cabo-verdiana que chegava a Portugal depois do 25 de abril. Em 2021, deixou de ser casa para 455 famílias recenseadas e um número desconhecido de pessoas que não constam nos documentos da autarquia. A demolição deste bairro, a 20 minutos do centro de Lisboa, está inserida no PER. Criado em 1993 pela Câmara Municipal de Lisboa, este programa pretendia a “erradicação dos bairros de barracas” nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto e a criação de habitações públicas para estas populações.
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A Amadora registava na altura 35 bairros precários e cerca de 26 mil pessoas a viver em construções degradadas, tendo sido o último município a assinar o PER no final de 1995.
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O Bairro 6 de Maio foi o último bairro de barracas a ser erradicado. Antes dele os vizinhos Bairro das Fontainhas, Bairro Azul e Bairro Estrela de África já tinham desaparecido.
“O Bairro 6 de Maio foi o que deu mais trabalho, talvez por ter sido o último a ser demolido”. Quem o diz é a Irmã Deolinda, uma das responsáveis do Centro Social 6 de Maio, que sempre foi sinónimo de ajuda para toda a população que o rodeava. A Irmã Deolinda chegou ao bairro em 1986, mas o trabalho das Irmãs Missionárias Dominicanas do Rosário já tinha começado dez anos antes com o apoio às famílias cabo-verdianas que se instalaram no Bairro das Fontainhas após o 25 de abril.
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Ao longo destes quase 40 anos, a Irmã Deolinda viu o bairro ser construído e demolido, passou de ajudar as crianças debaixo de uma árvore para ter uma creche, onde as crianças que viu crescer deixam agora os seus filhos. Foi uma das principais figuras da resistência e esteve presente durante todo o processo do PER, que incluiu também a demolição de uma parte do Centro.
Rosa Reis, Do Outro Lado da Linha
De acordo com dados disponibilizados pela Câmara Municipal da Amadora, em 1993, quando se realizou o primeiro recenseamento no Bairro 6 de Maio, foram registadas 369 famílias e ao longo dos anos foram acrescentadas outras 86, resultando num total de 455 famílias em 2021. As famílias recenseadas no PER estavam incluídas no processo de realojamento que iria ser efetuado pela Câmara tal como a própria explica: “a erradicação destes bairros faz-se, ou por realojamento daqueles que, desde 1993, estão inscritos no PER, ou por atendimento àqueles que, tendo chegado posteriormente ao bairro, não têm direito a realojamento, mas que carecem ainda de auxílio ou de incentivo para encontrarem uma alternativa habitacional digna”.
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Depois do primeiro recenseamento, foram realizadas várias ações no bairro numa tentativa de atualizar os dados sobre a população residente, ainda assim, foram muitos os que ficaram de fora. A Irmã Deolinda explica que isto se deve à demora entre o recenseamento e a demolição total do bairro. Durante este período houve gente que deixou o bairro, mas que alugava a casa a outras famílias, uns que sairiam definitivamente, outros que ocupavam as casas que iam ficando desabitadas, e muitos não se dirigiram à Câmara para comprovar que viviam no bairro. “Aqui foi mais complicado porque muita gente que estava aqui não estava recenseada nos censos. A Câmara fez um censo para saber quem estava cá nessa altura. Só que isto foi em 93 e isto foi demolido há uns dois ou três anos, imagine a mudança. Mas pronto... Havia muitos dados desatualizados na Câmara”.
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A acrescentar às pessoas que não foram recenseadas pela autarquia e que não procuraram recensear-se, juntou-se o problema da nacionalidade. De acordo com a nova Lei da Nacionalidade, publicada a 3 de outubro de 1981, o ponto 1 do artigo 2º estabelece que os indivíduos que nasceram em Portugal e tinham pais estrangeiros deviam ficar com a nacionalidade dos pais. Quando maiores e se quisessem, estes indivíduos deveriam pedir a nacionalidade portuguesa. “Isto foi um problema enormíssimo para a população emigrante. Trouxe imensíssimos problemas porque muitos diziam que nasceram cá em Portugal e andavam nas escolas. Portanto chegaram aos 18 anos e não fizeram nada. Foram muitos casos, muitos muitos. Depois tiveram muitos problemas, muitos muitos muitos. Não tinham nacionalidade. Quando foi o realojamento isso aconteceu muito.”
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Numa viagem ao passado, a Irmã Deolinda recorda como foi o processo de erradicação dos bairros que rodeavam o centro social. Destaca que a demolição do Bairro das Fontainhas e do Estrela de África decorreu sem grandes atritos, uma vez que a Câmara Municipal da Amadora realojou praticamente todos os habitantes. Já no Bairro 6 de Maio o processo revelou-se “mais complicado”. Com o fim dos outros bairros, o tráfico de droga concentrou-se no Bairro 6 de Maio, o que fez com que a autarquia quisesse “acabar com o bairro muito depressa”. Isto resultou num processo diferente do que já se tinha assistido nos outros bairros.
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“A Câmara quis acabar com o bairro muito depressa e criou um projeto especial só para o Bairro 6 de Maio, que era aumentar os donativos, as indemnizações para as pessoas comprarem casa. A Câmara já não tinha casas para dar. Como não tinha casas para dar queria é que as pessoas comprassem casa. Então, aumentou, relativamente ao que deu às famílias que saíram das Fontainhas e do Estrela de África, a quem dava um x de dinheiro. Aliás, nem dava. As pessoas diziam que queriam comprar casa, faziam todo o processo, iam à Câmara. A Câmara ia ao ato de escritura e não lhes dava o dinheiro a elas, dava ao vendedor. As pessoas não chegavam a ver o dinheiro. No caso do 6 de Maio não foi assim. Como a Câmara aumentou o valor e tinha muita pressa, as pessoas praticamente iam lá e diziam que já tinham casa e que queriam comprar. E a Câmara deu o dinheiro às pessoas, e isso foi muito mau”. Para a Irmã Deolinda esta não foi a solução ideal porque não houve um verdadeiro acompanhamento feito pela autarquia para ver se as pessoas compravam efetivamente uma casa com aquele dinheiro.
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A Câmara Municipal da Amadora defende que a maioria das famílias do bairro optou pelo “apoio”, ou seja, dinheiro para comprar casa, em alternativa do realojamento com “o intuito de quebrar ciclos de reprodução de pobreza e exclusão que o realojamento torna mais difícil”.
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A autarquia rapidamente percebeu que o realojamento e o financiamento de habitações para os recenseados do PER não seriam as soluções mais eficientes para ajudar todos os moradores, por isso, ao longo dos anos criou novos programas de apoio. Para aqueles que queriam voltar ao país de origem criou o Programa Retorno, no qual pagava a viagem de regresso. Com o fim do PER/Famílias, que permitia aos recenseados a aquisição de habitação, devido à falta de orçamento, a autarquia criou o Programa de Apoio ao Auto-Realojamento, destinado àqueles que pretendiam criar a sua própria alternativa habitacional e o “PAAR +” e o “PAAR 6/5”, que comparticipa a aquisição de habitação na área metropolitana de Lisboa.
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A Câmara Municipal da Amadora afirma que realojou ou comparticipou a compra de habitação de todos os recenseados do PER. Entre a demolição total e o primeiro recenseamento passaram mais de 20 anos e há quem tenha ficado esquecido. Relativamente aos esquecidos que viviam no Bairro 6 de Maio, a autarquia explica que “foi prosseguido um trabalho sério de acompanhamento com vista à autonomização apoiada. Na sequência deste trabalho, parte significativa destas famílias resolveram já a sua situação habitacional, encontrando no parque habitacional privado arrendamentos aos mesmos valores que, bastas vezes, suportavam já no Bairro”.
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Num processo de demolição que demorou mais de 20 anos a ficar concluído, as opiniões dividem-se sobre a ação da Câmara Municipal da Amadora. Certo é que do terreno que em tempos estava cheio de barracas e de ruas labirínticas, hoje só resta o mural que recorda quem lá passa do que já foi o Bairro 6 de Maio.
Bairro 6 de Maio, 2023
Mais do que demolições e realojamentos o Bairro 6 de Maio é feito de pessoas que, apesar das adversidades, construíram com as próprias mãos a casa onde viveram durante décadas. Tanto para os que saíram no início do PER como para os que foram os últimos a ver a sua barraca demolida, o Bairro 6 de Maio continua a ser casa.
"Bairro é bairro"
Pachia
Estevão Gomes Sanches, conhecido no bairro como Pachia, é natural de São Tomé e Príncipe. Em Portugal desde 1974, conta orgulhosamente a ligação que tem com o Bairro 6 de Maio.
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Pachia explica que a sua família não se mudou toda para Portugal ao mesmo tempo, primeiro veio o seu pai e irmão mais velho e só depois é que “mandaram buscar” Pachia, os seus outros dois irmãos e a sua mãe. Pachia recorda que na altura todas as casas eram construídas em madeira, não havia eletricidade e que quando construiu com as próprias mãos uma casa para viver com a sua esposa, foi a primeira que foi feita com tijolos.
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“Disse à minha mulher, vamos fazer a nossa casa, mas de madeira não. O meu pai trabalhava em Carnide, e havia lá na fábrica tijolos brutos que não serviam para nada e disse que ia falar lá com o encarregado. Trouxe-me tijolos e comecei a fazer a minha barraca”, conta.
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Nesta conversa em que recorda o passado, esboça inúmeros sorrisos quando fala das vivências e do convívio que o bairro proporcionava. Expressa a vontade de ter permanecido, caso essa escolha lhe tivesse sido possível e o desejo de o bairro ter tido continuidade. Quando questionado acerca do que tem mais saudades, resume esse sentimento a uma palavra, “tudo”.
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Nas palavras de Pachia, sente-se o peso da saudade. Fala de episódios perdidos no tempo, do benefício das Irmãs para os moradores e da ajuda que proporcionam que se prolonga até aos dias de hoje, das missas que eram celebradas e do seu filho mais velho que foi “criado” no bairro muito com a ajuda do seu pai, uma vez que Pachia trabalhava.
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Pachia confessa que ao contrário do seu pai, que tinha consciência da efemeridade do bairro, acreditava que “isto nunca ia acabar”. Por pertencer à lista de pessoas recenseadas em 1993, Pachia e a sua família tiveram direito a uma casa e saíram do número 18 no bairro 6 de maio em 2001. Quando saiu do bairro, os processos de realojamento deram-se com eficácia. A Câmara entregava um cheque e os moradores do bairro compravam a sua casa e sobre esse período, diz não terem existido “grandes problemas”.
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“[Entre os moradores] falávamos e conversávamos. Epá dia tal temos que sair ou já me deram a chave para ir embora e a casa fica aqui.Pronto, foi assim. Não foi nada de muito especial.”
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Mais tarde, quando já se encontrava realojado na Damaia de Cima recorda-se do momento em que viu a sua casa a ser demolida. “No dia em que a minha casa foi abaixo, eu estava ali na estrada, na altura trabalhava na Junta. Eu vi a máquina ali em cima e fiquei lá ao pé a ver aquela casa ir abaixo…Fiquei tão triste.”
Arminda
Arminda tem 68 anos e é natural de Cabo Verde, país que deixou com 22 anos quando se casou e decidiu fazer de Portugal e do Bairro 6 de Maio a sua nova casa.
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Saiu por vontade própria do bairro que viu os seus três filhos nascer, em 1995, já ciente de que o bairro iria ser demolido, mas sem conhecimento do PER, comprou com o seu próprio dinheiro uma casa que ficou a pagar em prestações ao banco. A casa que ficou para trás alojou o Instituto de Apoio à Criança, que pagava uma renda a Arminda.
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“As pessoas já tinham noção que as casas iam sair”, explica. Mesmo depois de sair do bairro, não parou de o frequentar, uma vez que trabalhou no Centro até à sua reforma.
Quando se deu uma grande afluência de crianças no bairro, Arminda começou a ensinar-lhes catequese, algo que já fazia em Cabo Verde desde os seus 13 anos. “Continuei, continuei e dei a catequese se calhar quase mais de 50 anos”, diz entre gargalhadas. Apesar de se ter afastado do bairro, nunca deixou de fazer parte da comunidade “na ajuda fraterna, a trabalhar no centro e no grupo das festas.”
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Para Arminda, o bairro representava “uma partilha e uma vivência” que nunca mais vai viver e que não queria ter abandonado. Confessa que podia ter saído do bairro mais cedo, “lá para os anos oitenta” uma vez que o seu marido era funcionário público e todos os meses descontava para uma casa cooperativa, mas Arminda explica que chorava com a ideia de sair do bairro e não queria considerar essa opção. “Eu não vou sair daqui para ir para um prédio, porque aqui no bairro quando a gente se levanta de manhã as pessoas vão bater à nossa porta para saber porque é que você ainda não levantou. Num prédio não é assim.”
No início do bairro recorda que as casas eram de madeira, não havia eletricidade nem sistemas de esgoto. Foi uma das Irmãs do Centro, a Irmã Marivi, que foi incansável para trazer um sistema de esgotos para o Bairro 6 de Maio. Com a ajuda da Irmã, que trouxe a “manilha” da Câmara, e dos homens do bairro, que cavaram com as próprias mãos o que viriam a ser os sistemas de esgoto, porque “não existiam máquinas”. Com a luz, foi diferente, segundo Arminda “já estava um bocado mais desenvolvido” e os moradores apenas precisavam de ir à EDP. A evolução das casas de madeira para tijolo foi um processo gradual entre moradores, “depois mais tarde começaram a comprar viga, placa e começaram a fazer um primeiro andar”.
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“Foi assim que todos vivemos, numa grande partilha e convivência feliz. Os meu filhos ainda choram, eles dizem que aquele tempo que vivemos no bairro nunca mais vamos viver.” Para Arminda, o bairro terá sempre as suas memórias mais felizes. O nascimento dos seus filhos, os batizados, a primeira comunhão, crisma, a casa cheia, as famílias, as Irmãs do Centro. “O bairro é bairro”, exclama.
Sanda
Rosali, ou Sanda como era conhecida no bairro, tem 43 anos, as suas raízes são cabo-verdianas e está no bairro desde que tem um ano. Viveu com a avó materna e com o pai até os pais se separarem. Recorda com nostalgia as saudades que tem do bairro e de tudo o que lá viveu reforçando que “muitas das coisas que aconteciam não eram com as pessoas do bairro. As pessoas que faziam mal é que fugiam para o bairro”. Olha para o seu bairro como um sítio onde todos se apoiam e onde toda a gente é Mãe de todos, “há sempre quem ajude”.
Apesar de já não viver no bairro, optou por colocar os filhos na creche do Centro Social, para nunca perderem a proximidade com as suas raízes.
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Considera que o processo da nova habitação foi “complicado, mas não pela Câmara”, mas sim devido a conflitos familiares. Lutou para receber o dinheiro da Câmara, ao invés de uma casa, uma vez que estava no agregado da mãe e as casas eram atribuídas por agregado. Após resolvidos os problemas familiares, tanto a mãe, como a irmã e Sanda receberam a sua parte do dinheiro atribuído. A decisão de ter a sua própria casa relacionou-se com a necessidade de dar estabilidade e segurança aos seus filhos.
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Sanda explica que a casa onde vivia no bairro não tinha muitas condições. Morava com os três filhos e entre todos tinham de partilhar uma casa de banho, um quarto, uma cozinha e uma sala, onde Sanda dormia. A casa era fria. Às vezes chovia lá dentro. Outras vezes as telhas do telhado caíam. Mesmo assim Sanda confessa que “se pudesse não saía do bairro”.
Relata que alguns antigos moradores não tiveram apoio da Câmara quando o bairro foi demolido e que ainda hoje “estão a lutar”, por estarem em casas alugadas e não se terem recenseado.
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Sanda descreve que no decorrer dos despejos assistiu a situações de violência policial, de pessoas que saíam para ir trabalhar e quando voltavam encontravam a sua casa demolida. Relata um episódio de um morador que resistiu à saída do bairro, por não ter direito a uma casa da Câmara, e que, segundo Sanda, foi agredido pelas forças policiais. “Foi uma situação muito muito triste”, recorda.
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Sanda receava que alguma destas situações lhe acontecesse. Assim que recebeu o cheque da Câmara, foi-lhe apresentado o prazo de uma semana para deixar a casa onde sempre viveu, decidiu arrumar as suas coisas e sair do bairro.
E depois do bairro?
Mas afinal qual será o futuro do antigo Bairro 6 de Maio?
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Segundo a Câmara Municipal da Amadora toda aquela zona irá ser alvo de uma intervenção inserida no Plano Estratégico Falagueira-Venda Nova. De acordo com o plano, o terreno irá ser transformado numa área industrial, que segundo a Irmã Deolinda será “sobretudo indústria farmacêutica” e que já há multinacionais interessadas “até porque está às portas de Lisboa”. Para a autarquia apostar numa zona industrial é um fator positivo e capaz de aumentar os “postos de trabalho qualificados”, que a médio prazo vai ter um “impacto significativo no atual contexto Metropolitano”.
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Mas, as construções e aproveitamento da zona vão muito mais para além de investimentos industriais, como destaca a Irmã Deolinda: “Quando isto ficar tudo bonitinho, tudo fino, vai nascer aqui uma zona de luxo. Algumas das pessoas que recorrem aos nossos serviços já estão a ser ameaçadas para deixarem as suas casas”. Com a requalificação desta área urbana a valorização dos terrenos vai também aumentar, o que pode de facto dificultar a vida a quem vive na zona da Damaia de Baixo, onde a maioria dos moradores, são já emigrantes. Mas há quem aproveite este investimento e pense em colocar à venda o seu negócio somente quando já estiver “tudo bonitinho”. “Aqui perto fechou uma pastelaria e os proprietários querem-na vender quando isto estiver restaurado, porque vai valorizar muito.”
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No retrato que a Irmã Deolinda fez da Estrada Militar da Damaia e da Rua das Fontaínhas há mais de 20 anos, o Bairro das Fontainhas e o Bairro Azul foram demolidos para nesse terreno se fazer um prolongamento da CRIL. A ideia da autarquia mantém-se a mesma, “a poucos metros do antigo bairro, será feito o prolongamento do eixo estruturante, uma nova Via Distribuidora, a partir dos nós da CRIL, permitindo uma melhor distribuição do tráfego no acesso às áreas da Damaia de Baixo, da Falagueira e da Brandoa, à Zona Industrial da Venda Nova e ao eixo da Rua Elias Garcia”.
Urbanização e edificação dos terrenos municipais e privados até agora ocupados pelo Bairro 6 de Maio, Câmara Municipal da Amadora
É com tristeza no olhar que a Irmã Deolinda conta que também o Centro Social será demolido: “A Câmara diz que isto tem que sair porque a estrada vai passar aqui”. Para além da justificação da nova estrada, a autarquia afirma que a maioria da população que vivia nos bairros circundantes já não vive ali e já foi enquadrada “em respostas sociais de proximidade à sua nova área de residência”. Com a demolição do bairro também parte do centro foi destruída. A Câmara destaca que o Centro continuará a existir como creche e apoio domiciliário, mas a Irmã Deolinda acredita que o aspeto mais importante “já se perdeu”. “Por mais que a gente diga à Câmara que o aspeto mais importante é o comunitário, ela diz que as pessoas já têm isso nos serviços públicos, mas nós sabemos que isso não é verdade”.
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Até hoje só há uma certeza: o Bairro 6 de Maio acabou e o Centro vai mudar de localização, só não se sabe nem para onde nem quando.
Passados mais de dois anos da urgência da Câmara Municipal da Amadora para demolir todas as barracas e dar poucos dias a quem lá vivia para arranjar uma solução, certo é que no terreno do antigo Bairro 6 de Maio nada foi feito.